17 de outubro de 2011

  Ter um trabalho que requer contacto com o público tem as suas peculiaridades. Da mesma maneira que nos cruzamos com personagens caricatas na rua e pensamos "bem, que crominho", há alturas em que esses personagens vêm falar connosco no trabalho e que remédio temos nós senão ouvi-los e ir acenando com a cabeça.

  É aqui que entra o Sr. do Cancro. Chamo-lhe assim porque na verdade não sei qual é o nome dele. Ele já me disse como se chamava, mas mais abaixo explico porque é que tenho dúvidas em relação a isso. O que importa para a história é que é um senhor de 85 anos, com cancro da pele, que gosta de ver a bola e de ler sobre Ciência e História, e que não anda com muita paciência para cortar a barba e o cabelo.

  Quando o conheci, antes de falar comigo, ficou a olhar para o que eu estava a fazer.


  Assim que viu o computador, tratou de me avisar que aquilo era uma máquina horrível. Só servia para estragar e emitir radiações electromagnéticas. Alertou-me ainda para o facto de tudo emitir radiações dessas.
  Coisas terríveis. Isso das radiações devia ser um bicho muito feio que ele enfrenta diariamente, parece-me.



  E depois mostrou-me os estragos das ditas.


  Na verdade, ele não me disse logo que era cancro. Ficou à espera que eu adivinhasse que raio de manchas eram aquelas na pele dele. Não sabia o que me acontecia se respondesse erradamente, então preferi jogar pelo seguro "...são manchas". Nope, não só. CANCRO. DA PELE. POR CAUSA DAS MÁQUINAS.
  Ok, cancro da pele. Não deve ser agradável. 
  Como já se pode adivinhar, esta pessoa não era muito sã, e não era só por causa do cancro. O Sr. tem toda uma paranóia a girar à volta do mal que as máquinas fazem. Nem sequer o pin do cartão de débito quis introduzir no POS para pagar as compras. Tudo bem, introduzi eu. Segundos depois, a máquina deu erro e o sistema começou a actualizar, que é algo que acontece regularmente. Avisei o Sr. e ele sentiu a máquina a emitir radiação. Sentiu-a.


  Ceeerto.
  Entretanto, ele continuou a voltar ao sítio onde trabalho, até porque gosta de falar e eu acho que faço uma cara de ouvinte suficientemente convincente. Quando deixo de a fazer, ele chama-me a atenção: "Não faça cara de sogra...!". Pronto, não faço.

  Há uns dias, contou-me que esteve numa livraria a falar com uma rapariga que estuda Medicina. Como homem sábio que é, decidiu pôr a pobre rapariga à prova. Segundo diz, ela reprovou vergonhosamente. "O que é que você está aqui a fazer afinal?!", perguntava-lhe ele. Ela teve a audácia de lhe responder que não queria lições e ele sentiu-se com os calos pisados. Como ela até tinha os braços tatuados, aquilo de estudar Medicina era algo que não fazia sentido na cabeça do Sr., então tratou de a avisar que a prova de que ela não percebia nada da vida era o facto de ter tinta cravada nos braços.


  No início do post referi que não sabia o nome do Sr., mas ele disse-me que era Pedro Cabral. Eu acreditei, claro. 
  Dias mais tarde, durante uma qualquer lição de História de Portugal, ele referiu que tinha 50% do ADN de Pedro Álvares Cabral, se é que isto faz sentido a alguém. Ao desenvolver a história, isto era uma daquelas histórias em que o primo do avô do primo do tio do irmão do bisavô tinha tido um caso com uma prima qualquer do avô de Pedro Álvares Cabral. Mas quem sou eu para o contradizer? Ele tem umas feições demasiado zangadas para isso. 
  Portanto, é por isso que não sei bem se o nome dele é mesmo Pedro Cabral. Se for, peço desculpa por ter escrito aqui o nome do senhor. De qualquer maneira, duvido que o desenho esteja assim tão parecido com a realidade para o conseguirem identificar.

  Contudo, se de facto isto for tudo a sério (e mesmo não sendo...), aposto que o Sr. Pedro Cabral sonha com a altura da viagem de descoberta do Brasil e se sente como sendo o próprio protagonista da história.



NINJA EDIT: Uma alma caridosa apontou algo e bem. Pedro Álvares Cabral descobriu foi o Brasil, não o caminho marítimo para a Índia. Perdoem-me a ignorância, mas estava entretida a fazer bonecos e nem sequer me apercebi da calinada. 
Update 18/10/2011: Desenho corrigido. A festa pode continuar.

8 de setembro de 2011

  Quem me conhece, sabe que gosto de comida. O meu estômago é quase uma entidade com vida própria, que tenta constantemente contactar com o exterior através de grunhos.




  Quando ele me parece infeliz, eu tento alimentá-lo, até porque o gajo torna-se chato e começa a falar alto numa língua que eu desconheço.
  A questão aqui é o que acontece quando eu não o alimento.
  Eu não sei bem o que acontece cá dentro do meu corpo, devem ser cenas desarrumadas, mas tomemos como exemplo a altura em que acordo.



  Quando como pouco à noite e fico demasiadas horas sem me alimentar porque, bem, estou a dormir, é como se o estômago fizesse refém toda a parte de mim que é fofinha e agradável. Nem sequer consigo pensar a 100%, a minha cabeça fica confusa e fico zonza. É possível que me assemelhe a um Gremlin, mas a mim podem dar comida depois da meia noite. Por favor, dêem.



  Não havendo comida nas redondezas, o caminho até ela parece-me sempre uma peregrinação. Em silêncio, se possível.
  A certa altura, chega o momento em que a magia finalmente acontece e é rápida a agir. O estômago recebe alimento e, em troca, devolve-me a minha parte boa. O dia fica mais bonito. Os planetas voltam a estar no local correcto. A humanidade pode sobreviver.


 Isto claro, até à manhã seguinte.

6 de setembro de 2011

  Enquanto crianças, somos sempre arrastados para casamentos. Se conhecia os noivos ou não, isso não interessava porque, naquela idade, o que me apoquentava era mesmo aquele aparato todo, que pedia que eu usasse um vestido bonito e sapatinhos a condizer.
  Mas avancemos uns 10 anos. Ou 15. Nem sei bem. Hoje foi o casamento de uma das pessoas que mais estimo neste planeta e isso é bonito, até porque na verdade eu sempre quis ir a um casamento de uma das minhas amigas, para saber como era partilhar um momento destes. Afinal, é sempre bom quando vemos alguém tão feliz. Contudo, nem tudo são rosas, já que a noiva resolve avisar-me do casamento anteontem. No MSN.
  "Hey...tenho uma novidade bombástica para te contar! Vou casar-me na terça-feira!"


  "ÃH? Vais fazer o quê?", pensei eu, enquanto tentava retirar da mensagem dela algo que indicasse que aquilo era tudo tanga só para ver como eu reagia. Não era. Era portanto, hora de analisar a situação, atirando as perguntas que me pareciam óbvias, como se estivesse a tentar criar na minha cabeça uma tabela de prós e contras em relação a tudo isto.


  Não, não era precipitado. Sim, era repentino, mas era o que queriam. Sim, estava toda a gente feliz. A ideia ainda não estava bem assente na minha cabeça, mas haveria de estar. Afinal, ainda só tinham passado uns 15 minutos desde o início daquela conversa.

  Entretanto, já a aceitar que esta coisa do casório fazia a minha amiga feliz, lembrei-me que isto de avisar as pessoas em cima da hora é engraçado e tal mas...e agora o que é que eu visto? Não tenho roupa para casamentos e nem sequer me apetecia preocupar com isso. No dia seguinte, dei uma vista de olhos pelas lojas da zona, mas o meu esforço foi infrutífero e comecei a ficar com fome.


  Avancemos para o dia do casamento. Hoje de manhã, portanto.
  Se até então eu não estava propriamente em êxtase com toda esta história, a felicidade alheia contagiou-me e percebi que, realmente, isto se calhar até nem era um absurdo. No fundo, eu é que sou meia criançola e a ideia do casamento nem sequer sobrevoa os meus pensamentos - que, no geral, repelem coisas sérias.
  A cerimónia aconteceu e, no final, a cara de felicidade estava estampada na cara de toda a gente, incluindo a minha.


  E, de repente, a coisa tinha acontecido. A minha amiga estava casada. Tem um marido. It got real.
  Não deixa de ser algo estranho ver alguém da nossa idade a dar um passo destes, talvez porque até agora isto do casamento sempre foi algo distante para mim. Era só uma coisa que as pessoas fazem a partir dos 30 anos ou para ajudar alguém a ficar no país, ou algo do género.
  No entanto, enquanto vos escrevo isto, estou feliz. O sorriso na cara dos noivos deixou um sorriso na minha e o abraço que dei hoje à minha amiga, já casada, assinalou mais um marco na nossa amizade.


  E, caso ela leia isto, aquela história de dizer às amigas "Vá, agora é a vossa vez de casarem" era uma piada, não era? Não era? Bem.